“Não me prendo a nada que me defina. Sou companhia, mas posso ser solidão. Tranquilidade e inconstância. Pedra e coração. Sou abraços, sorrisos, ânimo, bom humor, sarcasmo, preguiça e sono! Música alta e silêncio. Serei o que você quiser, mas só quando eu quiser. Não me limito, não sou cruel comigo! Serei sempre apego pelo que vale a pena e desapego pelo que não quer valer…”

Clarice Lispector

quarta-feira, 6 de abril de 2011

CRU

Uma parte de você
não o todo, imenso, desproporcional
ilimitado.
Uma parte como uma tela
com margens onde esbarram meus pensamentos
minha imaginação desenfreada.
Uma porção, contida, pobre
sem excessos que nos dignificam a alma
sem demais que nos façam abandoná-lo.

Quero a sobra disso que vejo agora
mais imperfeições, risadas sem hora
o mau-humor desmotivado.
Quero o além, o aquém
o antes e o depois do que nos mostra.
Mostre o pecado original
a falha na evolução
não esconda o sangue impuro
mestiço, fonte de diversas origens.
Revele a pele, lisa, morena
prova do todo, do excesso
que quero ver em si.

Não reduza a tão pouco
que esse pouco não o mostra
iluminado, belo, perfeito.
Dos defeitos é feita a perfeição.
Não nos prive da humanidade
carnívora, selvagem, destrutível, abominável.
Quero ver o lado sombrio do espírito
e não me surpreender quando ele aparecer.

Uma parte, um terço
desproporcional ao todo que há em você.
Não há quem consiga calcular
essa parte multiplicada pelo infinito.
Complete as lacunas da minha visão
Deixe eu sentir o cheiro da vazão
esse rio que corre descontrolado.

Não quero mais o tédio das suas margens
dessa sua moldura antiga, empoeirada.
Repasse as feridas para que possamos ver
e constatar que também sofre
também é fraco e covarde
de sangue quente, fervente, humano.

Junte suas partes
essa que eu vejo com as outras que esconde
e assim será completo
um perfeito mortal aos meus olhos.

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