“Não me prendo a nada que me defina. Sou companhia, mas posso ser solidão. Tranquilidade e inconstância. Pedra e coração. Sou abraços, sorrisos, ânimo, bom humor, sarcasmo, preguiça e sono! Música alta e silêncio. Serei o que você quiser, mas só quando eu quiser. Não me limito, não sou cruel comigo! Serei sempre apego pelo que vale a pena e desapego pelo que não quer valer…”

Clarice Lispector

terça-feira, 13 de março de 2012

No Jornal Contraponto


Mais uma vez, um texto meu saiu no Jornal Contraponto, do dia 9 de março de 2012, campo reservado ao Grupo Caixa Baixa, do qual faço parte. Nesta publicação o texto "A música e a literatura de mãos dadas: parceria ou cópia?" discute a relação entre essas duas áreas que tanto admiramos, especificamente tratando de 2 músicas que gosto muito: Canteiros e Amor pra recomeçar.

Segue o texto na íntegra:


 A MÚSICA E A LITERATURA DE MÃOS DADAS: PARCERIA OU CÓPIA?

Cyelle Carmem

A criatividade é algo imanente do ser humano, embora alguns não a utilizem tão frequentemente. Há séculos passados, Lavoisier afirmou que nada se cria, tudo se transforma. A partir dessa observação, é só olharmos ao redor e ver o quanto tudo é copiado, imitado. Aristóteles, em sua Poética, falava de mimese, ou seja, a arte de se inspirar numa ideia já estabelecida e fazer outra, ou seja, imitar com toques de originalidade. De qualquer forma, se pensarmos, não é tão simples criar algo novo, completamente desconhecido e trazer à tona para o conhecimento de todos.
Aprofundando-nos um pouco mais no assunto, podemos pensar também no plágio e na intertextualidade. Para quem curte música, os exemplos são diversos, a começar pela música Canteiros de Raimundo Fagner, cuja primeira estrofe é uma imitação alterada dos versos de Cecília Meireles, do seu poema Marcha. Esta ‘inspiração’ lhe custou um processo de durou anos, desde 1973, fazendo-o reconhecer, em 1979, que usou os versos do poema indevidamente. Em 1983, as filhas da poetisa venceram a causa na justiça e o cantor incluiu o nome de Cecília como parceira na composição da canção. Segue os versos de Cecília:
''Quando penso no teu rosto, fecho os olhos de saudade
Tenho visto muita coisa, menos a felicidade
Soltam-se meus dedos tristes
dos sonhos claros que invento
Nem aquilo que imagino
já me dá contentamento”
               
Outro caso que nos chama muita atenção é a música Amor pra recomeçar de Frejat, que continua sendo bastante executada nas rádios e faz muito sucesso por conter uma mensagem de encorajamento e esperança. No entanto, o conselho não vem de Frejat, são palavras do poema Desejo do poeta Victor Hugo. Nesse caso, o compositor usou todo o poema e modificou a maneira de dizer, apenas trocando expressões para melhor entendimento. Vale salientar que o poema de Victor Hugo é mais extenso, talvez não sendo apropriado para o tempo definido de uma canção. Nesse caso, Frejat deu os créditos ao escritor, evitando a mesma luta judicial por qual passou Fagner.
Com estes dois exemplos, podemos observar que a criação é um talento que nem sempre está tão disponível, não é um fruto fácil e acessível de colher. A originalidade pode ter se tornado uma árvore de espécie em extinção, que poucos sabem onde buscar e como usar.
A literatura, portanto, é fonte de inspiração para os músicos e compositores ou estes se aproveitam de poetas já mortos para ‘pegar emprestado’ seus versos? Há tempos, testemunhamos casos semelhantes, músicas regravadas, sucessos sendo repetidos e copiados como se fosse possível apagar os créditos de quem os criou.

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